domingo, 26 de junho de 2011

UMA ESPERA NUMA NOITE DE LUAR





Deixou de ser pôr-do-sol, começa mais um “dia” na mata.
Encames de porcos começam com a frenética actividade diária, mexem-se crias com suas mães, os leitões das cobrições de Fevereiro.
Velhos macarenos saíram bem mais cedo, mas sempre encobertos pela sujidade do bosquedo, vão aos charcos e velhas fontes abandonadas, para o banho de lama diário, que os acalmará, nestes dias quentes, da bicharada que os apoquenta.
Lentamente vão até á beira da água. A tentação das macieiras, que começam a deitar os seus frutos por terra, bem como alguns cachos mais adiantados fazem crescer água na boca, pacientemente as mães á força de focinhadas, vão impedindo os avanços das crias, a água ainda corre muito.
Este tempo é a altura ideal, convém deixar as tetas da mãe e começar a procurar alimentos mais substanciais, as maçãs e cachos das vinhas e pomares, são uma boa alternativa á dura e áspera cevada e aveia das searas. A doçura dos frutos desperta os sentidos e deixa marcada no palato os sabores que um dia mais tarde farão com que voltem e procurem as suas origens.
A s terras que os viram crescer, que lhe deram á boca as suas primeiras refeições, deixarão marcas permanentes e de que nunca se separarão.
À beira do rio Tejo com suas mães, irão aguardar que as águas fiquem mais mansas, a travessia não é longa mas exige cuidados.
Passada a nado a correnteza, são tentados pela fome, têm as cerdas escorrendo água os focinhos no ar procurando o perigo, não o sentindo são atormentados por cheiros que lhe despertam o apetite, a travessia das águas desperta os instintos da sobrevivência, o cansaço é grande e a fome aperta, qualquer coisa que apareça é bem-vindo.
Há um amontoado de comida mesmo ali á saída das águas, uma tentação, mas aquela porca que já ali passou o Tejo durante muitas luas desconfia daquilo que se apresenta com muita facilidade, e, dando roncos e trombadas consegue afastar a sua prole daquilo que lhe pareceu ser uma armadilha.
Foi preparado com muita antecedência o cevadouro, procuraram-se muitos indícios, muitas horas passadas á beira-rio a ver e descobrir onde os porcos tinham a querença das passagens para virem de noite às macieiras, vinhas e figueiras.
Sabemos o quanto os porcos são gulosos por estes petiscos sazonais, tanto que ano após ano eles acabam por mais dia, menos dia nos visitar, e, estaremos preparados para os receber.
Dão luta porque são animais sabidos e que procuram os seus locais de passagem em sítios que por vezes nem queremos querer que é possível passar por lá passar, onde as escarpas forem mais íngremes, onde for mais improvável ver sinais da sua passagem, será aí que teremos de as procurar.
As passagens estão marcadas nas ervas á beira-rio, há sinais evidentes das suas passagens.
- Já estamos a ficar atrasados!
- Amanhã sem falta começo a por o milho e os produtos para fixar os porcos no sítio.
Chega o dia em que após uma fatia de pão com queijo comidos á pressa empurrada por um copo de vinho, agarramos na espingarda e metemos uma mão cheia de cartuchos para o bolso e abalamos para o posto marcado, chegados aí, iremos para cima da pedra, onde temos a nossa fezada. Os porcos que chegam ao lado de lá “ainda alentejanos”, irão atravessar o Tejo quando baixar a corrente, na barragem devem estar a fechar as comportas, fazem-no normalmente por volta das oito da noite.
Ouve-se um chafurdar na água, os sentidos alerta, a espingarda aperta-se forte nas mãos, ficamos ansiosos.
- É hoje.
Pensa o caçador encarrapitado no alto do penedo.
Finalmente atravessaram, já se conseguem ver a sair da água.
- São tantos!
A nervoseira é o nosso maior inimigo, espero que me consiga controlar.
Entra uma piara de farropos com as tias e os primos do ano passado, nenhum porco grande, mas que importa isso, neste instante o que quero é um porco para mostrar ao pessoal que afinal também sou capaz de apanhar um javali nas esperas.
Os porcos são avisados por alguma coisa que os põe em alerta, mal param para cheirar o milho e nem um grão meteram á boca, seria por ter mexido com as mãos na saca e no milho, nunca saberemos o que foi, certo é que abalaram.
Fico mais um bocado, afinal eles foram em direcção ao Vale de Horta, está lá o outro pessoal e mais vale esperar mais um bocado, temos de respeitar as outras esperas.
Quando me preparo para ir embora, olho na direcção do rio e vejo sair das águas uma besta, um porco de tamanho descomunal, os nervos dispararam, a adrenalina dispara, o coração quer sair por ali fora, sinto o fresco da aragem que vem da água, aperto bem a espingarda, miro com cuidado e com o ponto de mira no codilho do animal, aperto o gatilho, parte o tiro, cai fulminado por terra o javali.
Finalmente consigo acalmar, tenho o troféu aos meus pés.
Fico uns momentos a ouvir o silêncio da noite, somente se houve um ligeiro rumor da água que corre, o coaxar das rãs e grilos, enchem a noite de ruídos quebrando este silêncio. Observo finalmente o javali abatido, não é muito grande, de pé impressionam mais, mas tem uma boca excepcional, bonito exemplar que irá ficar naturalizado, para que este lance de caça fique guardado para sempre, na minha memória já está.
O silêncio é cortado pelo ruído do disparo que vem acabar com os sons da noite, de repente tudo se cala, á um silêncio perturbador no ar, foi lá em cima onde estava o outro pessoal, nada mais se houve, nem um único ruído, é hora de ir embora, há muito para fazer, esta noite foi produtiva, temos dois troféus para arranjar.

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